Ruim demais: novela que estreava há 44 anos deixou a Globo traumatizada
A Globo não fez nenhuma questão de guardar uma cena sequer de O Amor é Nosso, novela das sete que é considerada uma das mais problemáticas produzidas nos 60 anos da emissora

Publicado em 27/04/2025 às 10:47
Se tem uma novela que a Globo faz questão de esquecer é O Amor é Nosso. Considerada uma das mais problemáticas tramas já exibidas pela emissora, basicamente, contava a história do jovem cantor Pedro, vivido por Fábio Jr. (na época casado com Glória Pires), em busca do sucesso e do reconhecimento da crítica. A desastrosa produção estreava há 44 anos, em 27 de abril de 1981, e contou com intermináveis 155 capítulos.
Escrita pelo psiquiatra Roberto Freire e por Wilson Aguiar Filho, tinha uma proposta diferente e ousada. Não queria tratar o jovem somente como objeto de consumo, além de trazer à tona novos conceitos sobre a Igreja Católica, através do revolucionário padre Leonardo (Stênio Garcia).
Apesar de contar com nomes como Tônia Carrero, Buza Ferraz, Stepan Nercessian, Milton Moraes, entre outros, não deu certo.
O público não entendeu a confusa história, que misturava elementos policiais com os romances e confusões típicas dos jovens. Além disso, a trama tinha excesso de personagens – algo como visto posteriormente em tramas como Páginas da Vida (2006) e Salve Jorge (2012), onde muita gente não tinha função.
Ônibus da morte
Exatamente na metade da novela, em uma situação emergencial, Walther Negrão assumiu a autoria da novela.
Cogitou-se que seria usada a mesma técnica de Janete Clair em Anastácia, a Mulher Sem Destino, de 1967: uma tragédia levaria boa parte do elenco, que seria renovado para recomeçar a história do zero.
Um acidente de ônibus faria com que diversos personagens fossem eliminados. Mas o “ônibus da morte”, como ficou conhecido na imprensa, não foi necessário.
"Como peguei a novela exatamente na metade, achei melhor encerrar algumas tramas propostas pelos outros autores para poder desenvolver a minha. Assim, todos os personagens ligados ao lado policial da novela vão desaparecer, porque pretendo destacar o lado romântico da história. Mas não haverá o ônibus da morte", disse Negrão à Folha de S.Paulo de 30 de julho de 1981.
A chegada do experiente autor melhorou a fluidez da história, mas já não havia muito o que fazer.
Como a Globo dominava praticamente toda a audiência e não existiam opções como TV por e streaming, a emissora nem sofreu abalo em seus índices, mas para o famoso Padrão Globo de Qualidade, mais forte do que nunca naquela época, um fiasco como esse era difícil de ser tolerado.
Nem Roberto Carlos salvou
Para tentar turbinar os índices de audiência, a Globo chamou o cantor Roberto Carlos para fazer uma participação especial. Então casado com Myrian Rios, que vivia a mocinha da história, o Rei participou como ele mesmo, ensinando Pedro a cantar.
O jovem ator Fernando Ramos da Silva, que havia vivido Pixote no cinema, também em 1981, esteve no elenco da novela como Pingo, mas não decolou. Ele foi assassinado alguns anos depois, em 1987.
Marlene, estrela da era de ouro do rádio, viveu uma cantora decadente, gerando reclamações de seu fã-clube, ainda forte naquela época. Nada disso, claro, foi suficiente para corrigir os rumos da novela.
Trauma
A experiência foi tão traumática para a emissora que pouca coisa de O Amor é Nosso consta no arquivo da Globo.
Restam apenas as primeiras chamadas e o clipe da abertura, exibido um dia antes da estreia, no Fantástico. As fitas foram simplesmente apagadas, ao contrário do que a Globo fazia com outros fiascos, quando pelo menos seis capítulos eram preservados (os dois primeiros, dois do meio e dois do final). Recentemente, alguns trechos da novela surgiram no YouTube, a partir de gravações caseiras.
"Muito difícil fazer um balanço crítico de O Amor é Nosso. Diante de tantas alterações, impossível analisar a obra. Não há obra. A novela acabou descosida, diferente, desossada, embora de certa forma divertida. Mas morrerá sem deixar saudades", definiu o crítico Artur da Távola no jornal O Globo de 25 de outubro de 1981, um dia após a exibição do último capítulo da trama.
"A novela ficará como essas pessoas que morrem jovens: partem cheias de promessas e esperanças do que poderiam ter sido, se tivessem vindo a ser", completou.