A importância do protagonismo feminino na dramaturgia
Se Volta por Cima fosse escrita por um homem como será que Roxelle pediria socorro?

Publicado em 21/04/2025 às 09:00
No capítulo exibido sexta-feira (18), uma única cena de Volta por Cima causou grande repercussão nas redes. Vítima de um relacionamento abusivo com o contraventor Gerson Barros (Enrique Diaz), Roxelle (Isadora Cruz) sinalizou para outra mulher enquanto caminhava até o banheiro de um restaurante.
Muitos telespectadores entenderam que aquilo era um pedido de socorro, mas quantas pessoas sabiam a origem daquele sinal? Aliás, quantos homens sabem que abrir a mão com a palma voltada para fora, dobrar o polegar e fechá-la com os outros dedos por cima significa S.O.S?
Criado pela Canadian Women's Foundation, ONG canadense de proteção às mulheres, durante a pandemia do Coronavirus (2020), esse sinal (#signalforhelp) quer dizer que a mulher está em situação de perigo, ou de violência, e pedindo por socorro.
+ Final de Volta por Cima: Gerson sai da cadeia, vai atrás de Roxelle e coloca terror em ônibus
Com as pessoas tendo que ficar em casa por causa do lockdown, percebeu-se um aumento no número de casos de violência doméstica. Esse, então, foi o jeito encontrado para ajudar essas vítimas. Hoje, o sinal tornou-se universal, sendo reconhecido em qualquer lugar do mundo.
Autora da novela, Claudia Souto com essa simples cena pode estar salvando muitas vidas femininas. Agora, graças ao folhetim, mulheres em situação de risco gritam por socorro mesmo que em silêncio.
Volta por Cima, aliás, tem trazido muitas discusões pertinentes. Não faz muito tempo, Sidney (Adanilo) parou o ônibus no meio da viagem para se refrescar com um banho de mangueira, crítica à falta de ar-condicionado dentro do coletivo, uma covardia se tratando do verão do Rio de Janeiro que pode chegar a 50 graus.
Mais adiante, foi a vez de Jão (Fabrício Boliveira) descobrir a diferença salarial entre funcionários brancos e pretos com as mesma competências. O cenário escolhido foi as empresas de ônibus, mas quantas outras, de outros segmentos, não cometem a mesma injustiça?
E no caso da Violeta Castilho (Isabel Teixeira), que chegou a ser obrigada pelo filho a se casar com um homem que não amava por causa dos negócios? Mesmo já sendo viúva, a contraventora só assumiu o controle dos seus bens com a morte do rapaz.
Agora, quando soube que o atual marido lhe tomou esse poder, e que ela só recupera tudo de volta se ele também morrer, a personagem soltou um "de novo", se referindo a tudo o que já ou por ser mulher.
Atualmente, as três novelas da Globo são escritas por mulheres
Talvez, se a trama fosse de Garota do Momento, o debate seria entre os sexos por se tratar de uma novela de época, quando as mulheres tinham suas vidas ditadas pelas mãos dos pais, depois dos maridos e, consequentemente, dos seus patrões.
Alessandra Poggi, autora da novela das seis, já levantou essa bola através da Lígia (Palomma Duarte), que abriu mão do casamento em troca de uma carreira, mas quando ainda estava casada no papel, seu marido é quem dizia se ela podia viajar, por exemplo, para um trabalho.
+ Garota do Momento: Topete descobre que Ana Maria é sua irmã
O folhetim das seis tem um núcleo negro muito forte. Em cenas recentes, Juliano (Fábio Assunção) exigiu que sua funcionária Ana Maria (Rebeca Carvalho), uma moça negra, fosse trabalhar com os cabelos mais alisados para não parecer relaxada e espantar as clientes.
Duda Santos, que dá vida à protagonista Beatriz, ou pela mesma situação lá no início da novela, e pelas mãos do mesmo personagem que também queria que ela se desfizesse dos cachos para uma campanha. Assim como Claudia Souto, Alessandra Poggi tratou do assunto de forma delicada, sensível e incisiva.
Já em Vale Tudo, novela das nove, Marco Aurélio (Alexandre Nero) se refere à ex-mulher, Heleninha (Paolla Oliveira) como desequilibrada, maluca, por causa da sua dependência com o álcool, sendo que o alcoolismo é uma doença, não uma escolha.
Machista, o mesmo personagem tem uma fixação pela sexualidade do filho, Tiago (Pedro Waddington), finge aceitar o relacionamento homoafetivo da irmã e, ainda, se incomoda com o gosto da secretária por modelitos monocromáticos.
Autora do remake, Manuela Dias vem completar essa trinca de mulheres na dramaturgia. E com Volta por Cima entrando em sua última semana, a boa notícia é que Dona de Mim, próximo folhetim da Globo, é de Rosane Svartman, autora de sucessos como Totalmente Demais (2016), Bom Sucesso (2020) e Vai na Fé (2023).
Ainda sobre Vale Tudo, o Afonso (Cássio Gabus Mendes) da versão de 1988, era agressivo a ponto de ameaçar meter a "porrada" em Maria de Fátima (Gloria Pires). Naquela época, mesmo que errado, esse tipo de comportamento era naturalizado. Hoje, ele seria enquadrado pela Lei Maria da Penha.
A autora do folhetim sabe da necessidade de mudar a história em vários aspectos da trama original. E por conta dessa responsabilidade, ela vem sofrendo críticas antes mesmo das cenas irem ao ar.
Como Roxelle pediria socorro se o folhetim fosse escrito por um homem? E a reação de Ana Maria e Beatriz, em Garota do Momento? Em Vale Tudo, Solange (Alice Wegmann) disse a Afonso (Humberto Carrão) que ciúmes é um sentimento de posse. Será que a personagem de Lídia Brondi achava bonitinhho, em 1988?
A presença cada vez mais expressiva de mulheres no audiovisual é de uma extrema importância e deve sempre ser comemorada, porque nada como ELAS para ter essa sensibilidade, e falar com propriedade, sobre questões que, infelizmente, só a gente a.